Suicídio: o sofrimento que não cala

O alto número de pessoas que morrem por suicídio a cada ano no mundo, levou a Organização Mundial da Saúde (OMS) colocar a temática como prioridade para Saúde Pública. Neste sentido, há uma mobilização para que os países se envolvam com a questão, investindo em estratégias de prevenção e que tenham como base uma abordagem multisetorial e trabalhem de forma a romper com estigmas e tabus que ainda são presentes na sociedade.
Setembro, foi o mês escolhido para a Campanha que vem dar visibilidade para o fenômeno do Suicídio. O mês foi escolhido seguindo a data, 10 de setembro que é o dia mundial de prevenção ao suicídio. Algo que não é novo na sociedade, mas que ainda é considerado um tabu. E ao longo dos anos, foi percebido pelos profissionais, cientistas e estudiosos do tema que, se faz necessário não calar diante do acontecimento. Não falar sobre Suicídio não é a melhor forma de lidar. É necessário cuidado sim, para abordar a questão tão delicada, mas não podemos deixar de falar e principalmente, de escutar o sofrimento humano.
Neste sentido, a campanha “Setembro Amarelo” que acontece no Brasil desde 2014 é voltada para mobilização, informação e debates sobre a vida, sobre a dor, sobre o sofrimento e sobre formas de acolhida e prevenção.
No Brasil, de acordo com o primeiro boletim epidemiológico sobre suicídio, divulgado no dia 22 de setembro deste ano pelo Ministério da Saúde, entre 2011 e 2016, 62.804 pessoas tiraram suas próprias vidas no país. Os números aumentam em todo o mundo a cada ano.
Ainda em setembro ocorreu aqui no Brasil o lançamento da “Agenda de Ações Estratégicas para a vigilância e prevenção do suicídio e promoção da saúde (2017-2020)”. Ou seja, neste período o país, por meio das Políticas Públicas de Saúde, precisará se debruçar sobre o tema e cumprir as ações propostas neste calendário. Desta forma, podemos dizer que Suicídio é questão de Saúde Pública e há uma luta para que se invista em Políticas direcionadas a prevenção e diminuição desses números.
Outro ponto que foi divulgado é a proposta do Ministério da Saúde de ampliação da rede de atendimento à Saúde Mental, falou-se em possibilitar a abertura de novos Centros de Atenção Psicossocial - Caps, haja vista que há pesquisas que ressaltam que em locais onde existem esse tipo de atendimento, há uma redução nos riscos de Suicídio. Fica claro dessa forma, que a Saúde Mental é um dos focos das ações de prevenção.
No entanto, para muitos profissionais a questão deve levar em consideração a multifatorialidade, ou seja, não reduzir o Suicídio aos transtornos mentais. Há uma individualidade e em cada caso uma particularidade que muitas das vezes não é possível ter acesso. O importante é o foco ou o olhar à aquele que sofre. Estar atento aos fatores de risco e intensificar as ofertas de ajuda, seja através dos atendimentos ou outras possibilidades.
O sofrimento existencial tem sua complexidade e não se pode fazer uma analise simplória em relação ao suicídio e nem deixar de acolher esse sofrimento. O suicídio é o grito máximo de socorro, é uma mostra de que ali havia um sofrimento e este não foi escutado. É a ponta de um problema maior. Podemos entender que muitas das vezes, através do desespero, a pessoa toma uma atitude definitiva em função de um problema que poderia ser passageiro, por situações que poderiam ser modificadas. Ou seja, não necessariamente aquele que se mata, quer morrer. O que percebe-se é uma ambivalência diante da vontade de sair de determinada situação e/ou sofrimento.
Outro ponto relevante nos debates e que os profissionais não podem perder de vista é que é um fenômeno que não pode ser descontextualizado. Aquele que se mata não se mata sozinho. Estamos inseridos em uma sociedade, na qual, tem-se como base visões de mundo e de homem muito limitadas, estigmatizadas e preconceituosas. Em um meio dominado pelo capitalismo, modo de vida no qual somos formados para produzir e consumir. Onde a maioria trabalha por necessidade sem ter a chance de buscar algo que realmente se identifica. Em locais em que a pressão e condições de trabalho são adoecedoras. Vivemos em uma sociedade, aqui no Brasil por exemplo, em que existe uma desigualdade social enorme, onde muitos vivem em situações socioeconômicas limítrofes. E não há como negar que todo esse contexto é desencadeador de sofrimento.
“De acordo com o CFP, a atuação de psicólogas/os na prevenção ao suicídio deve extrapolar as intervenções estritamente individuais e buscar a compreensão das condições de vida que podem contribuir para produzir sofrimentos mentais intensos. “A vida se constitui na relação das pessoas com seu entorno, na produção psicossocial dos modos de ser e estar. Por isso, o papel da Psicologia é acolher e resignificar esse sofrimento, a partir do entendimento de como ele é produzido nas instâncias sociais, históricas e culturais.”, explica a psicóloga Sandra Sposito, conselheira do CFP.”
Na sociedade contemporânea não há lugar para a tristeza. As redes sociais são vitrines de felicidade (ilusória). Ali lidamos com muitos rostos e sorrisos. Ali vivemos nossa angústia sem muita das vezes dar vazão para os reais sentimentos. Não há lugar para aprofundar as relações, para contemplar a beleza simples e cotidiana. Tudo isso, em certa maneira potencializa o sofrimento existencial.
Neste sentido, vale ressaltar que o trabalho do psicólogo e dos demais profissionais e sociedade em geral deve ser contínuo. E não deve ser restrito ao atendimento e leitura do caso individual, mas sim deve ser na construção de condições melhores de vida. Deve ser na luta e apoio às Políticas Públicas, na busca para romper paradigmas e preconceitos.
O auxilio para o autoconhecimento, a ajuda no caminhar, a companhia e amparo para carregar o fardo quando esse pesa demais, o cuidado, respeito e acolhida são ofertas que se fazem para aqueles que nos chegam. O olhar atento ao nosso redor. O apoio, orientação e até mesmo o encaminhamento para um profissional pode ser fundamental para guardar uma vida.
Desta forma, finalizo hoje as reflexões deixando um convite a todas e todos: Que possamos ser “escuta-dores” de nós mesmos e do outro. Para isso, que nada cale o sofrimento e assim esse possa ser cuidado. Que possamos nos fortalecer em nosso sentido de vida e desta forma, possamos contribuir para as mudanças necessárias no mundo.
Referências Bibliográficas:
Fukumtsu, K.O. O psicoterapeuta e os desafios diante do comportamento suicida. Revista Psicologia USP, volume 25, número 3. 2013.
http://portalarquivos.saude.gov.br/images/pdf/2017/setembro/21/Coletiva-suicidio-21-09.pdf
https://www.pragmatismopolitico.com.br/2017/09/boletim-sobre-suicidio-no-brasil-assustadores.html
http://site.cfp.org.br/prevencao-ao-suicidio-desafios-para-psicologia-e-saude-publica/